A mulher que há 83 anos ensina a sorrir

Djenane sempre buscou o lado bom da vida. E sabe que sorrir é o melhor remédio Foto arquivo pessoal

O telefone toca no número 599 da Avenida Sigismundo Gonçalves, em Olinda. Djenane, a matriarca da família, se apressa para atender e ouve um pedido insólito do outro lado da linha. A senhora poderia olhar na janela para ver se tem um Fusca verde estacionado aí na frente. Ela já sabia da brincadeira. Só fazia sorrir, dava um tempo e respondia que não. “Já deve ter amadurecido, então.” Era sempre desta forma que era saudada pelo seu pai, Mário, nas manhãs dos anos de 1980. Com brincadeira, suave.

Meio de rama de 11 irmãos, a única cujo nome foge aos padrões, Djenane tem na resiliência o seu caminho de vida. Até mesmo quando o destino, numa insensibilidade fora do comum, decidiu inverter a ordem natural da vida, em 1983. Perdeu a filha, a segunda entre três mulheres e dois homens, mas não a fé.

Nada parece abalar Djenane. Certa vez, machucou o dedo, num acidente doméstico. Não quis ir ao médico. A bem da verdade, ela detesta médico, exceto o seu marido Roberto, claro. Preferiu apelar aos dotes macgyvianos do filho Robertinho para imobilizar o dedo, que estava doendo muito e começando a inchar.

Ele pegou dois palitos de picolé, um tubo de esparadrado, um pouco de gaze e iniciou o trabalho.

No primeiro movimento de Robertinho, empurrando os dedos sadios para o lado, para fazer a imobilização do machucado, a resiliente Djenane já reclamou: “Robertinho, tá doendo muito”. Concentrado no trabalho, ele só respondeu: “Calma, mainha. Vai doer, mas depois que terminar vai ficar bom”. E continuou o trabalho. E a mãe murmurando baixinho de dor.

Pouco depois de 15 minutos, o trabalho estava terminado. “Vê aí, mainha. Ficou arretado!” Ela ergueu a mão, olhou, olhou.

“Oh, Robertinho, você imobilizou o dedo errado. O que machuquei foi o do lado”, disparou, caindo na gargalhada. Era justamente o dedo que ele afastava para fazer a imobilização, por isso a dor intensa.

Sorrir como estilo de vida

Rir das coisas da vida é outro traço da personalidade de Djenane. Ela sempre busca no humor a saída para as situações mais insólitas.

Durante muito anos, a Avenida Sigismundo Gonçalves foi uma espécie de passarela do Carnaval. Por lá passavam quase todos os blocos tradicionais olindenses. Por isso, na casa 599, todos os anos era montado um tablado de madeira, para acompanhar os desfiles.

Quando esse tablado estava muito cheio, as pessoas recorriam à casinha da bomba d’água, ao lado do palanque. Foi o que fez o seu caçula Márcio, ao ver que se aproximava o Eu Acho é Pouco. O desfile tava massa. Gente bonita, fantasiada. O dragão abocanhando a cabeça de Djenane. Tudo lindo, divino, maravilhoso. Ao fim da passagem, Márcio foi descer da casa da bomba.

Pulou na tampa da cisterna. Pesado que só ele, o quadrado de concreto não resistiu ao peso de Márcio e quebrou. Resultado: a canela bateu na borda do tanque, provocando um ferimento gigante. Todos correram para socorrê-lo. Muito sangue escorrendo, os irmãos correndo para buscar algodão para estancar, rifocina para evitar infecção, uma mobilização completa de todos que estavam na casa. Quando Márcio olhou para o tablado, estava Djenane, sem nem ter saído do canto, se acabando de rir.

“Não caia na minha frente, que eu não me aguento!”, exclamou.

Essa é Djenane no estado mais puro. Sempre feliz, sempre zombando, sempre buscando o lado positivo nas adversidades, sempre ensinando aos filhos e amigos a ver a vida desta forma, sorrindo.

Completa 83 anos na próxima terça-feira (30). Vai festejar certamente fazendo trela, comendo bolo escondido, em velocidade, para ninguém ver e lembrá-la que é diabética. Os anos avançados trazem algumas mazelas, mas não retiram o brilho dos olhos e a alegria de viver de Djenane.

Que essa data se repita por muitos e muitos anos, mainha, e que eu tenha o prazer e a oportunidade de sorrir sempre ao seu lado. Te amo!

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Uma resposta

  1. Amei a história da Nane!!! 👋👋👋
    Nane é especial, bem humorada e de uma gentileza.💋❤️
    Ninguém até hoje faz uma tortinha e pastel de nata igual a que Nane fazia nos aniversários da família.
    Parabéns pra essa Senhora incrível que tenho muito respeito e admiração.👋👋👋

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SOBRE O EDITOR
Márcio Didier

Márcio Didier é jornalista, formado pela Universidade Católica de Pernambuco, com passagens pelo Jornal do Comércio, Blog da Folha e assessoria de comunicação

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