Se todos fossem, iguais a você… Dr. Roberto

Márcio Didier

O jovem médico tinha se formado recentemente. Iniciava a residência no hospital de Olinda, no Varadouro. Quando chegou para o plantão, em meados dos anos de 1960, soube que teria uma ocorrência séria. Coração acelerado, chega à frente de uma pequena casa ali por Peixinhos.

Ao entrar na sala, todas as pessoas estavam reunidas ao redor de um corpo. Apesar da pouca experiência, ele sabia que a pessoa já estava morta. E procurou ao máximo adiar a triste notícia. Seria a primeira vez que faria isso. Pegou o estetoscópio que abraçava o pescoço e tentou ouvir o coração. Balançou a cabeça negativamente, sob os olhares ansiosos dos presentes. Em mais uma encenação, pediu um espelho e o colocou na frente do nariz. Novo balançar de cabeça. Após algumas outras tentativas de postergar o inevitável. Ele levanta, balança negativamente a cabeça pela oitava vez e sentencia: “Ele está morto!!!”.

Eis que um morador grita. “Que ele tá morto a gente já sabe há mais de quatro horas. A gente chamou o senhor porque a esposa tá tendo um passamento lá dentro”.

Histórias como essa fazem parte do repertório da longa vida dedicada à medicina do pediatra e professor aposentado Dr. Roberto Nunes. Ele sempre gostou de contar. Por ética, no entanto, nunca revelou o nome dos envolvidos.

Eleito em 1996 para a cadeira 25 da Academia Brasileira de Pediatria, a vida profissional de Dr. Roberto é plena de sucessos e serviços prestados à medicina. Como professor, batia sempre que o importante não era O QUE e sim O COMO utilizar o conhecimento. E formou muitos médicos. Vários deles ocupam cargos públicos e o tem como mentor.

Mas não é esse Dr. Roberto deste texto. Aqui ele vai ser apenas Roberto, Beto, papai.

A rotina pouco mudava durante a semana. Trabalho pela manhã, almoço todos os dias com os cinco filhos, a esposa Djenane e a mãe Lucrécia e trabalho à tarde na Faculdade de Ciências Médicas. Ele nunca foi de clinicar. Não gostava de cobrar pelas consultas. Os três pacientes fixos que teve durante a vida faziam todo tipo de malabarismo para colocar um cheque pela consulta no seu bolso. Que invariavelmente parava na lata do lixo.

Sempre gostou mesmo foi de transmitir conhecimento, adquirido desde muito cedo, quando aos 12 anos leu todos os 18 volumes da enciclopédia Novo Tesouro da Juventude. Chegou a comprar a coleção anos depois para estimular os filhos na leitura.

Fotografia

Mas também sempre foi dado a hobbies. Nos anos de 1970, quando fazia pesquisas para Organização Panamericana de Saúde (Opas) ou para o Banco Mundial, desenvolveu paixão pela fotografia. Durante três períodos em que trabalhou no Estados Unidos, comprou uma Pentax Spotimatic, jogo de lente, filtros… Apresentava o mundo aos filhos por meio de slides, em sessões aguardadas com ansiedade pelos pequenos na sala da casa na Sigismundo Gonçalves, 599.

Música

Tempos depois, a música ganhou espaço em sua vida. Frequentemente ia à Livraria Sodiler, no Aeroporto dos Guararapes, para comprar as revistas mais recentes, nacionais e importadas, que falavam de música e equipamentos.

Nas manhãs de sábado, o programa era sempre o mesmo. Ao lado do filho caçula, ia para a Rua da Palma. Uma visita rápida à Mesbla e seguiam para o paraíso. Sim, existia um paraíso na Rua da Palma, que atendia pelo nome de Veneza Som. Lá pai e filho se igualavam na idade e no brilho dos olhos. Tinha os equipamentos mais modernos e equilibrados, as melhores fitas cassetes Maxwell e TDK, em toda a sua linha, normal, cromo e metal, de 60 e 90 minutos, além dos lançamentos mais recentes da Deutsche Grammophon, a maior gravadora de música clássica do mundo.

Uma rotina encantada essa dos sábados pela manhã, que era finalizada na Rua Nova, com as coxinhas da Karblen e uma visita à Modinha, para ver os discos mais populares.

O mar

No domingo era a tropa toda dentro da Caravan dourada, rumo à praia de Nossa Senhora do Ó, em Pau Amarelo. Eram tempos de legislação de trânsito mais flexível. Por isso, não tinha problema se dentro do carro estavam três adultos e cinco crianças, um garrafão de cinco litros de Coca-Cola com gelo e uma marmita de bolacha cream cracker e pasta de sardinha.

Era o terceiro e inusitado hobbies de Roberto: a pescaria. E como ele sempre foi de entrar de cabeça nas aventuras, comprou uma jangada a vela, daquelas de pau, com a qual saia acompanhado de Seu Reis, pescador famoso na região, genros e quem quisesse se aventurar mar a dentro. Para os filhos mais novos, comprou duas pequenas jangadinhas, apelidadas carinhosamente de “minholeta” e “borbonhoca”, uma mistura terra-ar de minhoca e borboleta.

Hoje, 23 de março, papai faz 89 anos. Quando pergunto como ele está, a resposta sempre está na ponta da língua: “Mais ou menos”. E complementa, com o humor fino que acompanho desde pequeno: “Na minha idade mais ou menos é uma grande coisa”. Não tem graves problemas de saúde. Toma café com leite com três dedos de açúcar, como carne de porco com toda a gordura que possa ter e suas taxas estão melhores do que as minhas, que sou diabético.

Muito do que sou hoje se deve aos almoços de família, às manhãs de sábado no centrão do Recife, à praia no domingo. Ao Novo Tesouro da Juventude. Ao embarcar na vida muitas vezes lúdica de Dr. Roberto, que, hoje entendo isso, buscava formas alternativas de revelar as coisas da vida, me fez querer sempre mais conhecimento, de buscá-lo todas as formas que pudesse conseguir. E isso me fez chegar até aqui.  

Feliz aniversário, papai. Que a gente possa repetir essa data juntos por muitos anos!

**Aos sábados, sempre uma crônica

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SOBRE O EDITOR
Márcio Didier

Márcio Didier é jornalista, formado pela Universidade Católica de Pernambuco, com passagens pelo Jornal do Comércio, Blog da Folha e assessoria de comunicação

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