Pedro Moura, meu chefe, e o churrasco de ovo?

Jornalista pedro moura

O ano de 2024 não foi fácil. O destino escreveu um roteiro cruel. Em menos de cinco dias, duas pessoas fantásticas, dois amigos queridos, dois jornalistas que foram referências do início da minha carreira partiram cedo demais e sem nem se despedir. Primeiro foi Henrique, no final de novembro. Quatro dias depois, Pedro Moura. É ruim quando a gente sente na pele que a roda da vida começou a girar mais rápido. O momento em que a gente percebe que os anos passaram e as visitas aos cemitérios ficam mais frequentes do que às maternidades. 

Era início da noite naquele setembro quente de 1991. No Omar Khayyan, bar preferido pelos estudantes de Jornalismo da Unicap, as garrafas de cerveja se acumulavam na mesa. Lá pela 10ª, Lula Portela vira e diz: “Olha, tem uma vaga de estagiário na Editoria Brasil/Internacional do JC”. Não tive dúvidas. Peguei o ônibus da linha Bultrins e fui para o prédio na rua do Imperador. Eram tempos dos jornalistas boêmios, por isso nem pensei e ir com bafo de cerveja.

Fui recebido por um homem barbudo, de mullet, fala acelerada de quem estava no horário de fechamento e língua levemente presa. Pedro Moura olhou para mim e disse: “Faz esse texto”, indicou, entregando um telex com uma notícia do Brasil. Mesmo com um pouco de álcool na cabeça, fui aprovado no teste e contratado no Jornal do Commercio em 9 de setembro de 1991. Por sete anos, fui de estagiário a subeditor de Brasil e internacional, sempre ao lado de Pedro.

Pedro era gente boa demais. Não tinha quem não gostasse. Na maioria das vezes, após o trabalho, íamos à mesa de bar. Certa vez, no tempo em que a edição do domingo dos jornais era fechada no sábado, saímos da redação às 18h e fomos tomar apenas três cervejas. Tinha marcado de sair com a patroa Iraneide e não queria atrasar. 

Pedro, o Chevette e o pneu furado

Ao fim das três cervejas, Pedro me ofereceu carona no seu Chevette verde, ano 1977, com algumas dezenas de milhares de quilômetros rodados. Ao chegar no carro, o pneu estava. E tínhamos que trocá-lo. O problema é que todo jornalista é desmantelado. E Pedro não tinha o macaco no carro. Como era um modelo fora de linha, houve uma dificuldade para realizar a troca.

Resultado, às 23h30 toquei a campainha na casa de Iraneide no Janga. Do jeito que ela abriu a porta, fechou na minha cara. Insisti e tive que levar um sermão, pela hora e o bafo de cerveja. Depois de 15 minutos de esporro, quando ela parou para respeitar, pedi para lavar minhas mãos, para ir embora, Foi quando ela cedeu um pouco.

Pedro foi embora no último dia 3 de dezembro, vítima de complicações de uma cirurgia de vesícula. Foi meu primeiro chefe. Me ensinou muito sobre jornalismo e fechamento de jornal e redação. Partiu sem cumprir a promessa feita ainda em 1992 de fazer um churrasco de ovo, que eu duvidava de sua capacidade de fazer. 

Foi muito boa a nossa convivência, querido amigo!

  • Na próxima semana, uma homenagem a Henrique Queiroz

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SOBRE O EDITOR
Márcio Didier

Márcio Didier é jornalista, formado pela Universidade Católica de Pernambuco, com passagens pelo Jornal do Comércio, Blog da Folha e assessoria de comunicação

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