Nos anos de 1990, a sanidade era artigo de luxo na redação do JC. Pior para o novo contínuo

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Márcio Didier

A redação do Jornal do Commercio, na Rua do Imperador, centro do Recife, talvez fosse o que mais se aproximava de um hospício, naqueles anos de 1990. O periódico tinha completado 70 anos em 1989, dois anos depois de o empresário João Carlos Paes Mendonça ter assumido o controle do Sistema JC, em 1987, quando estava prestes a fechar as portas.

Era um recomeço para aquele jornal. Na redação, a experiência de alguns jornalistas de longas estradas e suficientemente loucos para a missão era mesclada com a juventude de alguns recém-saídos da faculdade e outros estagiários. Tudo isso comandado por Ivanildo Sampaio e o seu estilo peculiar de conduzir os trabalhos. Às vezes com humor, muitas vezes com esporros, mas com o controle total das ações, ao lado do seu adjunto, o sagaz e diplomático Roberto Tavares.

Aquela redação era intensa, viva. Em todos os sentidos. Naquela época era permitido fumar no ambiente de trabalho. Alguns jornalistas também desciam, em meio à loucura do fechamento, para o Restaurante Dom Pedro ou a lanchonete Cristal para tomar um estimulante etílico. Mas o trabalho quase sempre saía impecável.

Não demorou muito para que o JC começasse a crescer e conseguisse algo que se julgava impossível alguns anos antes: ultrapassar em tiragem o todo poderoso Diário de Pernambuco.

Foi na efervescência dos anos de 1990 que numa quinta-feira chegou um novo contínuo para fazer teste na Redação. Tinha cerca de 1,60 metros e era rechonchudo, educado e muito prestativo. No primeiro dia de trabalho, foi mais calmo, diferentemente da sexta-feira, dia do fechamento de duas edições, em que a loucura aflorava de forma mais intensa.

Na segunda-feira seguinte, a mãe dele foi ao Departamento Pessoal informar que o filho não viria mais. Ele afirmava que não teria condições de trabalhar naquele ambiente peculiar. E seguiu a falar.

Disse que o filho foi falar com um outro contínuo e viu que ele tinha um olho azul e outro marrom. Infelizmente, Rafael havia feito um investimento em lentes azuis para dar um “tchan” no visual. Mas havia perdido uma delas. Como queria ficar diferente de toda a forma, achou por bem ficar com os olhos coloridos até comprar uma outra lente. Questão de estilo.

Mais na frente, viu um jornalista, o genial Marcelo Abreu, do Caderno de Cidades, jogando vôlei sozinho, com uma bola imaginária. Talvez fosse a forma que ele encontrava para espairecer. Vai saber… Mas o rapaz achou aquilo muito esquisito.

Já tarde da noite, foi levar um material para o editor de Esportes, o saudoso Sílvio Oliveira, que foi em direção a ele apoiando a cabeça na parede e com olhos intensos e arregalados, trejeitos provocados pelo estresse do fechamento, certamente. Realmente as sextas-feiras não era fáceis. E não foi para o quase novo funcionário.

A mãe explicou que ele chegou em casa assustado, dizendo que só tinha doido trabalhando naquele jornal e que não queria voltar nem mesmo para pedir demissão.

E assim acabou uma carreira de um jovem promissor. O nome dele pouca gente soube. Não deu tempo, diante de dois dias frenéticos de edição do Jornal do Commercio, naqueles anos de 1990, em que a sanidade era um artigo de luxo ns Redação do JC.

* Aos sábados, sempre uma crônica

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6 respostas

  1. Que texto maravilhoso! Me deu saudades do fechamento de jornal. Claro que já em outra década. Mas cercada por alguns loucos maravilhosos! Foi a loucura mais gostosa que já vivi profissionalmente.

  2. Eita, que deu uma saudade dessa redação! Tempo bom, em que pautas eram construídas valorizando fatos efetivamente importantes, releases eram apenas sugestão de pauta, o fim do expediente era o passe para umas cervejas, muitas conversas e risadas. Tempo de muita aprendizagem, do qual me orgulho muito de ter vivenciado. Muitos colegas queridos há não estão entre nós, mas todos estão nas recordações felizes. Valeu, Márcio!

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SOBRE O EDITOR
Márcio Didier

Márcio Didier é jornalista, formado pela Universidade Católica de Pernambuco, com passagens pelo Jornal do Comércio, Blog da Folha e assessoria de comunicação

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