Jornalismo é contar histórias. Algumas boas e felizes. A grande maioria nada auspiciosas, principalmente na política. Olhar sagaz para perceber os detalhes do fato, discernimento para ver em uma coisa corriqueiro uma notícia e coragem para fazer perguntas inconvenientes em momentos convenientes são características de poucos. Rosália Lima tinha tudo isso e muito mais.
Como uma criança que acabara de ganhar um pirulito, vibrava com todas as matérias em que estava envolvida, nas coberturas do JC. A ela não bastava colocar nas páginas do jornal o resultado da sua apuração segura. Quando voltava da rua, ia de cadeira em cadeira, de jornalista em jornalista, contar detalhes da história que estamparia a manchete do jornal do dia seguinte. Com alegria e paixão incomuns. Coisa de quem amava o que fazia.
Certo dia, escalada para cobrir uma sessão sonolenta da Assembleia Legislativa, ficou à caça de uma matéria. Acompanhou os debates e quase dormia de tão desinteressantes. Viu a lista dos projetos que seriam votados e nada. Já tava perdendo a esperança de levar uma matéria para a redação e estava se conformando em não ler uma matéria sua na edição do dia seguinte. Até que…
Adepto da meditação, o deputado estadual João Paulo (PT) não perde uma só oportunidade de falar e demonstrar os benefícios da prática. Estava em alta na Casa de Joaquim Nabuco naqueles fins de anos de 1990. Tinha sido o mais votado para o cargo nas eleições de 1998, com 50.833. E decidiu levar as técnicas da meditação, incluído a levitação para o plenário da Alepe. E assim o fez, numa sessão solene.
A pauta inusitada aguçou o faro de repórter de Rosália. E ela decidiu ficar na Alepe para acompanhar. E deu matéria. Ela chegou extasiada na Redação com o que tinha visto e, como de costume, saiu reproduzindo várias vezes a história para os colegas de trabalho, com direito a encenação.
A parte que mais a divertia era quando explicava a levitação. Então sentava no chão, fazia posição de Lotus e forçava o corpo para cima, como se estivesse pulando sentada. E repetiu várias vezes, para a alegria de companheiros de labuta.
Pouco tempo depois, Rosália teve que abandonar o JC, pois tinha questões pessoais para resolver. Foi, então, chamada para ser secretária-adjunta de Terezinha Nunes, durante o Governo Jarbas.
Rosália e o helicóptero
Lá pelos idos de 2001, envia um convite de cobertura para acompanhar a visita do então Governador Jarbas Vasconcelos a vários municípios do Agreste. Seis cidades durante todo o dia. De helicóptero. Fui escalado para pauta.
Não é que eu tinha medo de andar de helicóptero. Tava receoso, pois aquilo era uma novidade para mim. E eu falei isso para Rosália, logo que cheguei ao terminal de embarque às 5h30.
Gaiata, quando nos dirigíamos para a aeronave, ela falou para o comandante: “Ele tá com medo danado de voar”. Ao que ele respondeu: “Fica tranquilo, você vai ao meu lado”. Por um minuto apenas suspirei aliviado. Até chegar ao helicóptero.
O tal lugar ao lado do comandante era uma cadeira cercada de vidros em todas as direções que olhasse. Não bastasse isso, o comandante, quando ligou o motor, virou-se para mim e disse, fazendo terror: “Só não toque nesses pedais aí na sua frente, pois pode desequilibrar a aeronave e a gente ter problemas”. Gelado e sem mexer nem o dedo mindinho, só consegui dizer: “Anh!”. E Rosália caiu na gargalhada.
Foram cinco horas entre descidas e subidos entre os municípios. Belo Jardim, Pesqueira, Belo Jardim (de novo), Jurema, Lagoa do Ouro, Garanhuns e Recife. Voo tranquilo, no qual pude, entre outras coisas, acompanhar as obras de duplicação da BR-232 em toda a sua totalidade. E perdi o medo de helicóptero.
Rosália Lima nos deixou no último dia 3. Muito nova, aos 67 anos. Pegou muita gente de surpresa. Poucos sabiam que ela estava doente. Trabalhamos juntos por quase dois anos. Fui testemunha do grande amor que ela tinha pelo jornalismo, coisa cada vez mais escassa nos dias atuais.
Vai na luz, Rosália.
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