Fernando Menezes e o dom de contar histórias

O dom de fazer as coisas nasce com as pessoas. Algumas podem até adquirir a capacidade de executar bem uma tarefa. Mas nunca será como um dom inato. Pelé tinha o dom do futebol; Freud o de traduzir o comportamento a partir de questões psicológicas; Da Vinci usou seus dons em várias áreas das artes e ciências; Neymar tem o dom de cair…

Poucos, no entanto, tinha o dom de contar histórias como o jornalista Fernando Menezes. A figura de “vovô” Fernando, como era chamado na Redação do JC, me veio à mente quando lembrei que neste sábado teremos final do Campeonato Pernambucano.

Conhecia tudo de futebol. Sabia dos favoritos e os riscos envolvidos em cada partida. Mas sempre que o nosso Sport iria jogar, chegava ao meu lado e perguntava: “Sapinho (meu apelido é Sapo desde 1982, mas essa é outra história), e o Leãozinho”. Ele já sabia se o time estava bem ou mal, mas buscava o amparo da opinião dos colegas para reafirmar se teria uma tarde/noite agradável ou de puro ódio.

Fernando era uma pessoa magnética. Aonde chegava, logo formava uma roda de pessoas ao seu redor, todos ansiosos para ouvir as suas histórias. Se estava num restaurante, dividia as palavras com pedaços crocantes de pão, deixando as migalhas para a mesa. E os causos se multiplicavam. E todos contados de uma forma cativante, envolvente, que não nos deixava perder a atenção.

Perrengue em Londres

Como certa vez, em que ele estava em Londres, para cobrir um jogo da Seleção Brasileira. Fazia um frio abaixo de zero na capital inglesa, no início dos anos de 1980, inclusive com neve. No final do jogo, Fernando passou muito tempo para encontrar um telefone público, para transmitir as informações para a redação do JC. Enfrentou o frio e a neve, andando no sentido contrário ao público que deixava o estádio, até que 40 minutos depois encontrou o danado do telefone. Pegou algumas moedas e começou o seu martírio.

Ligava para um telefone, chamava, chamava, e ninguém atendia. Ligava para o outro, o mesmo resultado. Até que conseguiu completar a ligação em um que ficava no terceiro andar do prédio da redação e pediu para falar com alguém de Esportes, cuja editoria ficava no segundo andar. Sem ter quem mandar, o editor Sílvio Oliveira decidiu, ele mesmo, ir falar com o seu correspondente. Pegou o telefone e disparou:

“Fernando, liga depois. Estamos no fechamento e não posso falar contigo agora, não!”. E desligou o telefone sem nem dar chance nem de um “boa noite”.

Era um prazer enorme encontrar Fernando todos os dias na Redação do JC. Quando o via, eu gritava: “Bobô”, com a voz de uma criança chamando o avô. Ele odiava isso. Mas eu continuava.

Greia internacional

Certa vez, saí de férias para Buenos Aires, isso em 2005. Habilitei meu celular para que, numa eventual emergência, pudesse ligar para o Recife. O problema é que fui jantar com a patroa numa casa de tango e o vinho começou a fazer efeito. Na metade da terceira garrafa, peguei o telefone e liguei para a Redação do JC.

“Gostaria de falar com o senhor Fernando Menezes”. Alguns minutos depois, ele pega o telefone e eu, do outro lado da linha:, gritei “Bobôôôôôô”, como só os ébrios sabem fazer. “Tenha vergonha. Vá curtir suas férias, Sapinho!”, devolveu Fernando, desligando o telefone em seguida.

Ainda liguei para outros amigos. Com Otávio Toscano, convidei para tomar uma. Ele topou. E eu disse: “Então vem pra Buenos Aires”.

Essas brincadeiras de quinta série são massa. Até chegar a conta: R$ 600, em dinheiro da época. Além do prejuízo, ainda tive que ouvir vários esculachos da patroa.

Fernando Menezes nos deixou em 9 de dezembro de 2021, aos 86 anos, dois dias antes do meu aniversário. Por perversidade do destino, conviveu por 10 anos com Alzheimer.

Mas tenho certeza de que hoje ele estará mandando energias boas para a Arena de Pernambuco, para o Leãozinho sair com mais um título pernambucano.

Foto: Alexandro Auler /acervo JC Imagem

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8 respostas

  1. Eu era estudante de arquitetura e lá no Cac adorava ouvir seus contos nas rodas de estudantes interessados em suas histórias envolventes. Um forest gump recifense…Tinha a turma de radialismo, jornalismo e quem mais quisesse ouví-lo. Sempre cercado de jovens, ele contava suas histórias boas de ouvir e pra rir, sabia fazer isso. Tinha um dom. Saudade!

  2. Grande Fernando Menezes que tive o privilégio de ser filho. Adorei saber de mais uma história dele na profissão que tanto amava e jamais esquecia . Mesmo no final da vida e com a doença bem avançada ele costumava me dizer filho vou preparar a Matéria para você levar para o jornal e eu respondia tá certo pai vou levar. Que pena o Alzheimer o afastou tão cedo, aos 76 anos do mundo jornalístico onde ele teria muito a contribuir. Mas fica a história e o reconhecimento por tudo que fez. Com certeza hoje ele vai ver mais essa final

    1. Carlos, Fernando talvez tenha sido a minha escola para contar histórias. Como coloquei no texto, ele era magnético. Sai do JC em 2014, quando a doença já começa a afetá-lo mais. Mas saiba que aqui tem um imenso admirador dele. Forte abraço

  3. Convive com Fernando mais de 30 anos,era amigo de Luiz Otávio meu marido.Mas ficou O MEU GRANDE AMIGO. Durante 18 anos ia com Norma, conosco para Porto de Galinha. N meu dou direito a ter saudades mas existem 2 coisas que não cosigo evitar, o colo de minha mãe e conversar com Ferando na sala da minha casa em Porto de Galinha!

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SOBRE O EDITOR
Márcio Didier

Márcio Didier é jornalista, formado pela Universidade Católica de Pernambuco, com passagens pelo Jornal do Comércio, Blog da Folha e assessoria de comunicação

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