Às vezes, fica difícil entender o que passa pela cabeça dos políticos, no Congresso Nacional. Com razão, causa revolta em uma grande parcela da sociedade ver algumas propostas, como a questão da criminalização do aborto, serem analisadas em um momento que o País vive de urgências. É o Rio Grande do Sul tentando se recuperar da devastação da enchente, a violência campeando em todo País, a economia precisando de ajustes… mas o importante para o presidente da Câmara, Arthur Lira, e um punhado de deputados federais, entre eles o pernambucano Pastor Eurico, é tornar uma vítima de estupro em uma pessoa mais criminosa do que o autor do crime.
Mas isso não é por acaso, tem método. Sempre que temas polêmicos são jogados no ar no Congresso Nacional, pode ter certeza de que algo pior está por trás. E esse episódio da criminalização do aborto após a 22ª semana de gestação explicita bem isso. É a soma de todos os desejos reunidos em um projeto inoportuno e sem qualquer base de necessidade para ser discutido neste momento. A não ser, claro, que se preste a algum interesse. E ele se presta a vários.
O primeiro deles, o do presidente da Câmara, Arthur Lira. Desde que assumiu o comando da Casa, ele não teve outro interesse que reforçar o poder do Legislativo. Para isso, por vezes emparedou o Executivo, que não tem base ampla na Casa e tenta de equilibrar entre a capacidade de articulação e a gula parlamentar. Lira quer continuar dando as cartas na Câmara, e isso passa pela escolha do seu sucessor. Esse projeto é perfeito para os seus planos: atrai os votos da maioria conservadora para o seu escolhido na disputa e, mais uma vez, empareda o governo Lula.
Ao colocar em votação e aprovar em 23 segundos o pedido para que a matéria tramite em regime de urgência, Lira dispensa prazos de tramitação e a coloca no topo da votação, acelerando a votação de uma proposta polêmica, para usar um termo muito brando, e que exigiria muito debate, inclusive com a sociedade.
Aos evangélicos e conservadores da Casa, a matéria é um prato cheio, porque essa matéria fala direto para o seu eleitorado. Eles precisam de temas polêmicos como este para retroalimentar o discurso e manter a base engajada. Afinal este ano tem eleições e este tipo de ação é tudo que precisam para atrair a atenção e conquistar votos.
Congresso e a cortina de fumaça
Há ainda o efeito cortina de fumaça. Nas última duas semanas, o Congresso Nacional discutiu outras duas propostas que, se eles puderem, tentarão aprovar na velocidade da luz, que é a da privatização das praias e a que acaba com a delação premiada de presos, que também está em regime de urgência. Lembram da história de aproveitar a pandemia da Covid para “passar a boiada”? É mais ou menos isso.
Por fim, ainda com as eleições municipais como pano de fundo, se aprovado, o projeto colocará uma pegadinha para o Executivo. Se o presidente Lula vetar, e ele vai vetar, ganhará o carimbo de defensor do aborto. Tudo que querem num ano eleitoral.
São tantas camadas de absurdos nessas propostas, principalmente na que criminaliza o aborto, que mais parece que vivemos num país excepcional, em que tudo funciona e o Congresso não tem nada que fazer. Ai, no café da manhã, um deputado ou senador tira uma ideia estapafúrdia, anacrônica e tacanha do bolso e ainda pede regime de urgência para ser votada. Pois é. Isso é o que acontece no Congresso Nacional, que atende a vários interesses, menos os que beneficiam diretamente a população.
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