Em meio ao tom eleitoral, um debate necessário sobre feminicídio fica quase escondido

Visita de Lula ao Estado virou ato eleitoral, intensificou o embate Raquel x João, mas quase esconde discurso do presidente sobre feminicídio

Na política tudo é feito para esconder a verdadeira intenção do que se quer. Não à toa que, no Congresso Nacional, os jabutis (ações que nada tem a ver com o projeto original) caminham livremente por projetos e PECs. Mas passagem do presidente Lula por Pernambuco não ficou oculto. Foi campanha aberta pela reeleição do petista e recado direto da governadora Raquel Lyra para o seu adversário em 2026. O ato na Refinaria Abreu e Lima, nessa terça, foi um furacão. Teve de tudo, Diante de tão eloquentes fatos, o principal deles, e mais importante, quase quase despercebido: o discurso forte de Lula sobre o feminicídio. Esse, sim, deveria ganhar as manchetes e amplificar as repercussões.

A amplitude política do evento ficou evidente logo nos primeiros discursos. A cerimônia, marcada para anunciar a expansão da capacidade operacional da Refinaria Abreu e Lima, transformou-se em um palanque sem disfarces. Para aliados, a retomada das obras interrompidas durante o governo anterior justificava a defesa explícita da reeleição de Lula, repetida em tom de comemoração. A comparação feita pelo diretor da Petrobras, William França — que falou em “outro tetra” em 2026 —, sintetizou o ambiente: mais que uma visita administrativa, tratava-se de um ensaio público da campanha que se avizinha.

Nesse clima, até Lula reforçou a narrativa eleitoral, ao afirmar que “precisa de mais um mandato para aprender a ser presidente”, arrancando risos e aplausos. O discurso presidencial, embora centrado em obras, emprego e retomada de investimentos, foi também um recado calculado de continuidade política. A presença de ministros, parlamentares e aliados históricos fortaleceu essa moldura, enquanto a plateia reagia como quem participa de um comício. O presidente recebeu elogios, promessas de apoio, em mais um indício de que o evento não se limitou ao anúncio de um pacote de obras.

Mas os signos eleitorais não se limitaram ao cenário nacional. Ao discursar, a governadora Raquel Lyra adotou tom firme e direcionado. O alvo, ainda que não mencionado nominalmente, era claro: João Campos, seu principal adversário na disputa estadual de 2026. Ao dizer que “eleições se disputam na urna” e erguer a bandeira de Pernambuco diante de uma plateia que vibrou intensamente, Raquel buscou ocupar o protagonismo político e demonstrar força num ambiente que tradicionalmente favorece o prefeito do Recife. João, por sua vez, havia adotado outra estrategia, exaltando Lula e reforçando que a refinaria simboliza o legado de Eduardo Campos — uma forma indireta de reposicionar sua liderança regional.

Lula e o feminicídio

Mas foi Lula quem quebrou a lógica do palanque ao tratar, de forma contundente, da escalada da violência contra mulheres no país. O presidente relatou a comoção de Janja diante dos recentes casos de feminicídio e descreveu, sem suavizar, episódios brutais de feminicídio que chocaram o país. Ao afirmar que “até a morte é suave” como punição para alguns agressores, Lula abriu um flanco completamente distinto do restante do evento: o da responsabilização dos homens e a necessidade de um movimento nacional conduzido por eles para enfrentar a violência de gênero. O tom emocional destacou a dimensão do problema e a urgência de respostas mais firmes.

Entre aplausos, recados políticos e disputas antecipadas, o discurso de Lula sobre feminicídio foi o único momento em que a agenda ultrapassou a lógica eleitoral. Enquanto a refinaria receberá R$ 12 bilhões em investimentos e reacende debates sobre emprego e desenvolvimento, o país convive com números crescentes de assassinatos de mulheres — 207 apenas em São Paulo neste ano. Esse contraste evidencia como, apesar da euforia política em torno da visita, o ponto mais grave do dia quase se perdeu na enxurrada de falas e simbolismos. O evento foi campanha, confronto, celebração e disputa, mas poderia ter sido também um marco na luta contra a violência de gênero — se o tema tivesse recebido o espaço proporcional à sua urgência.

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SOBRE O EDITOR
Márcio Didier

Márcio Didier é jornalista, formado pela Universidade Católica de Pernambuco, com passagens pelo Jornal do Comércio, Blog da Folha e assessoria de comunicação

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