Mandatos eletivos e a perpetuação no poder: opinião de um observador

Yuri Romão, Eduardo Honório e Léo do Ar usam artifícios para ir além de dois mandatos consecutivos

Gilberto Lima Junior *

Tenho acompanhado com certa curiosidade algumas questionáveis movimentações no âmbito político e associativo que buscam contornar limites democráticos, constitucionais e normativos relacionados à reeleição. Casos como o do Presidente do meu amado Sport Club do Recife, o prefeito de Goiana e o presidente da Câmara Municipal de Gravatá ilustram preocupantes tentativas de consolidar mandatos consecutivos, muitas vezes recorrendo a artifícios, como o chamado “mandato tampão ou residual”, com o claro objetivo de prolongar ad perpetum o exercício do poder.

Todo dia o criativo direito brasileiro nos presenteia com algo novo. Agora a novidade é o instituto jurídico do mandato tampão ou residual. Em recentíssima decisão, no caso da eleição do Sport Club do Recife, o Judiciário pernambucano, brindou-nos com a seguinte pérola:

“Verifico que o Sr. Yuri Romão, na condição de vice-presidente, assumiu o restante do mandato do então Presidente Executivo, Sr. Leonardo, passando a exercer, após renúncia deste, em março de 2022, o posto de Presidente Executivo, configurando o exercício de um mandato residual ou tampão, e não pleno.”

Aí não resisto e já me ponho a divagar: o conectivo utilizado é “ou”, não é “e”: mandato tampão ou residual.

Será que se, agora reeleito, o à época Presidente Tampão e exercer seu terceiro mandato até um mês antes de terminar, renunciar e se candidatar novamente pode tb ser acolhido na modalidade de mandato tampão ou exordial?

A tampa serve para a parte inicial do mandato, ou apenas para a parte residual?

Certamente serve para qualquer parte do mandato, senão a tese criativa defenderia o mandato tampão e residual, utilzando-se o conectivo de adição, não o de alternância (sem trocadilhos)…

E ao menos atentos destaco: será mesmo terceiro mandato, porque o primeiro foi o mandato com a alcunha tampão ou residual, mas foi mandato, mesmo que na opinião e decisão do Judiciário pernambucano não sirva para a vedação imposta pelo Estatuto de exercer o terceiro mandato consecutivo.

Eis, então, como estamos: primeiro mandato o da alcunha tampão ou residual; o segundo mandato qual será a modalidade? Sugiro mandato hermeticamente fechado ou exercido completamente por completo, claro, se assim ocorrer, vez que só finaliza no início de janeiro de 2025, e entendo necessário a redundância para que não pairem dúvidas futuras.

Já o eventual terceiro mandato, embora não possa ser de imediato apelidado, porque pois só o tempo dirá se será da modalidade hermeticamente fechado ou da modalidade tampão ou exordial, penso que poderemos apelidá-lo de mandato. Ficam todos por enquanto na expectativa…

Poderia, ainda, tecer algumas linhas sobre o mandato tampão residual não ter sido pleno (pelo menos sob a ótica da Justiça pernambucana), mas aí tomaria mais tempo com minhas teorias e certamente cansaria meus 5 leitores (imaginado que todos eles chegaram até aqui e continuarão a leitura) …

Na vida pública há casos de mais de 2 mandatos

Nas instituições públicas o fenômeno dos “ao infinito e além” mandatos consecutivos também ocorre, e nem são tão incomuns. Na tentativa de pôr um limite, o Supremo Tribunal Federal (STF) reforçou que, com base no princípio republicano, a alternância no exercício dos cargos públicos de direção é fundamental para evitar a perpetuação de indivíduos no poder e para promover a renovação democrática.

Essa interpretação encontra respaldo no artigo 1º da Constituição Federal, que estabelece os fundamentos do Estado Democrático de Direito, sustentados pelos valores da República. Diversas são as teses a ensejar a vontade de ocupantes de cargos eletivos a permanecer exercendo mandatos consecutivos.

O princípio republicano assegura, então, que cargos eletivos e posições de liderança sejam exercidos de maneira temporária, promovendo renovação e evitando que interesses individuais ou de grupos específicos se sobreponham ao interesse público.

Ao tentar justificar múltiplas reeleições consecutivas, os envolvidos nesses casos desrespeitam tanto o espírito quanto a letra da Constituição. Isso é ainda mais grave quando mecanismos como o mandato tampão ou ausência de limites normativos expressos são usados como artifício para burlar as imposições previstas pela norma constitucional e consolidar mandatos sucessivos.

Vejamos:

  1. Presidente do Sport Club do Recife: Ao utilizar um mandato tampão como justificativa para viabilizar uma nova reeleição, o dirigente fere diretamente o princípio da alternância, o estatuto do Club e estabelece um precedente perigoso para outras entidades associativas e esportivas.
  2. Prefeito de Goiana: A tentativa de disputar mais de uma reeleição consecutiva é incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro, que visa garantir que os gestores públicos não se perpetuem no poder, promovendo a oxigenação das administrações. Todavia, o atual mandatário daquele município insistiu, foi candidato sub judice, venceu a eleição, mas o TSE, a meu ver acertadamente, indeferiu o registro da candidatura. Ou seja, Goiana terá o Presidente da Câmara Municipal como Prefeito temporariamente, enquanto a Justiça Eleitoral organizará novo pleito. Fico curioso para saber se alguém pagará os prejuízos de precioso tempo investido e gastos públicos deperdiçados com o processo eleitoral que de nada serviu…
  3. Presidente da Câmara Municipal de Gravatá: Ao insistir em se manter no cargo, o presidente da Câmara Municipal de Gravatá, vereador Léo do Ar, afronta o princípio de renovação democrática e ameaça a credibilidade das instituições públicas perante a sociedade. O ilustre parlamentar foi eleito pelo voto popular para o quarto mandato de vereador – até aí nada demais, vez que não há vedação constitucional para exercícios consecutivos de mandatos eletivos no Poder Legislativo. Todavia, face a uma conveniente omissão da Lei Orgânica Municipal e do Regimento da Câmara de Vereadores, o parlamentar está no exercício de seu quarto mandato consecutivo de Presidente do Poder Legislativo local.
    O STF julgou a Adin 6524 e ratificou a permissão de apenas uma única reeleição ou recondução consecutiva para os cargos da Mesa Diretora de órgãos legislativos. Há que se convir que quatro mandatos consecutivos na direção daquele órgão legislativo por si já se pode configurar uma ilegítima, quiçá imoral!, perpetuação de poder por um única pessoa. Para além da sempre existente possibilidade dos parlamentares não reelegerem o mesmo presidente pela quinta vez consecutiva, uma medida preventiva de iniciativa da combatente Promotoria de Justiça em exercício naquele Comarca seria bastante oportuna …


Resta-me, pois, aguardar resiliente os acontecimentos: as polêmicas eleições do Sport, de Goiana e da Câmara Municipal de Gravatá, e seus respectivos desdobramentos …

O Senhor nos proteja de nós mesmos!


Veja também:

TSE indefere candidatura de prefeito eleito de Goiana, que terá nova eleição

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SOBRE O EDITOR
Márcio Didier

Márcio Didier é jornalista, formado pela Universidade Católica de Pernambuco, com passagens pelo Jornal do Comércio, Blog da Folha e assessoria de comunicação

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