Henrique Queiroz, o craque da vida, Givanildo e a boemia

Encontrei com Henrique Queiroz pela última vez em maio de 2017, no Paço Alfândega

O craque joga em qualquer posição. Não tem mimimi, firula, nada. Vai lá e executa tão bem a missão, com tamanha capacidade, que engana quem não o conhece de perto. O jornalista Henrique Queiroz era assim. Torcedor apaixonado do Sport, certa vez cumpriu tão bem a tarefa de cobrir o dia-a-dia do Náutico que todos no clube juravam que ele era alvirrubro, tamanha a intensidade com qual exercia o seu ofício. 

Henrique era assim: apaixonado, intenso, extremamente inteligente, mas que não tinha a vaidade de ficar vomitando seu conhecimento à toa. Uma das poucas vezes que aceitou um convite para dar uma palestra foi numa tarde de 1991, na sala 407 do Bloco A da Unicap. Ao lado de Aderval Barros, falaria sobre a cobertura jornalística do futebol pernambucano para a turma do segundo período de jornalismo. Eu fazia parte dessa turma e tive o prazer de acompanhar o embate divertidíssimo com Aderval. 

Poucos dias depois, para colocar em prática o que tínhamos visto na palestra, a professora de Redação 1, Lúcia Noya,  nos mandou à Ilha do Retiro acompanhar um treino do Sport e fazer a cobertura. Como torcedor do Leão da Praça da Bandeira que sou, não cabia em mim.

Na chegada, reencontrei Henrique. Estava chupando laranja na entrada do vestiário. Fiquei mais aliviado, tranquilo ao vê-lo. Era a minha primeira cobertura de rua e logo pelo time que torço. Me apresentei, disse que tinha acompanhado a palestra e ele se prontificou a ajudar. Tudo perfeito, não fosse por um pequeno detalhe: o treinador do Sport

Ao fim do treino, Henrique comandou: “Vão logo fazer a parte de vocês”. E ficou na beira do campo só esperando o desmantelo.

O Sport era treinado pelo lacônico e com fama de carrancudo (tenho certeza de que não é só fama, não) Givanildo Oliveira. Nos aproximamos, eu e  os colegas de turma, e teve início a entrevista mais rápida da minha vida.

  • “Professor Givanildo, como foi o treino?”, perguntei de cara. 
  • “Bom”, respondeu ele.
  •  “Qual o time que vai jogar?”, emendei a segunda pergunda, arretado porque as mãos trêmulas entregavam o meu nervosismo. 
  • “O que treinou”, disse ele, virando as costas e saindo. 

Na beira do gramado, Henrique estava se acabando de rir. Sabia quem era Givanildo e suas poucas palavras. Depois, parceiro, nos passou todas as informações para que a gente pudesse fazer a matéria.

Quase um ano depois, em setembro de 1991, entrei como estagiário no Jornal do Commercio, onde Henrique passou toda a sua vida profissional. Mais uma vez puxei conversa, mas agora como “companheiro de Redação”. Fui prontamente acolhido por ele e por Otávio Toscano, Tavinho, dois gigantes do jornalismo e dois amigos fantásticos que o JC me deu. Entre os três, Henrique era chamado de “Bandido”, por brincar com todos por onde passávamos. Os dois me ensinaram muito sobre o jornalismo e sobre a vida.

Comecei a acompanhá-los nas idas diárias à lanchonete Cristal, na Rua do Imperador com a 1º de Março, uma espécie de templo boêmio, decadente e desmantelado de alguns jornalistas do JC e do Diario de Pernambuco. Eram longas conversas, algumas delas filosóficas, como só os bêbados sabem fazer, sempre enchendo o saco e ouvindo as reclamações de Arlindo, que fazia de um tudo por lá por trás do balcão.

Henrique e a esticadinha

Numa dessas noitadas na boemia, eu e Henrique esticamos um pouco o horário. Saímos da Cristal e fomos para a Cantina Star, na Boa Vista. Henrique lia sobre tudo, mas gostava muito de estudar as religiões e enveredamos a conversa por ai. E o tempo foi passado. Até que o bar fechou e fui pra casa. Acontece que eu tinha casado há pouco tempo e a patroa Iraneide não gostou nada de eu ter chegado em casa às 4h. Abriu a janela, jogou a chave no terraço e entrou. O sofá já estava pronto para que eu dormisse na sala.

Dois dias depois, fomos ao aniversário da filha de Otávio. Logo que chegamos, apresentei Henrique a Iraneide. Ainda ressabiada com o ocorrido há duas noites, foi logo dizendo: “Ah, quer dizer que foi o senhor que ficou bebendo com meu marido até as quatro da manhã, né?”

Henrique, em tom afirmativo, devolveu na hora: “E qual o problema? O seu marido estava com um amigo, discutindo problemas importantes da humanidade, sem fazer mal a ninguém”. E caímos todos na gargalhada.

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A última vez que encontrei com Henrique Queiroz foi em 30 de maio de 2017, no Paço Alfândega (foto que ilustra a crõnica). Não o encontrava desde que havia deixado o JC, em fevereiro de 2014. Foi um encontro nostálgico, de aquecer o coração. Era impossível chegar junto de Henrique e não ser envolvido por sua gentileza, bondade e carinho. Trocamos algumas palavras, nos abraçamos e tive que sair, pois tinha compromisso na Folha de Pernambuco, onde eu estava trabalhando.

No dia 29 de novembro passado, às 7h01, uma mensagem carregada de dor de Otávio Toscano chegou ao meu WhatsApp: “Nosso Henrique Queiroz, o Bandido, faleceu hoje”. Ainda estava deitado e fiquei por mais de uma hora lá, sem acreditar. Apesar de saber que a situação de Henrique era muito grave, que ele estava em cuidados paliativos por causa de um câncer, egoista como todo ser humano, queria que ele ficasse mais com a gente, mesmo sofrendo. 

Mas como diz o Frevo da Saudade, de Nelson Ferreira, “Quem tem saudade não está sozinho. Tem o carinho da recordação”. Aos poucos, a dor foi ganhando a companhia das boas lembranças, das histórias engraçadas, dos bons momentos vividos. E até o sofrimento ficou mais suave.

Vai lá, Bandido, foi muito massa tê-lo como amigo!

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SOBRE O EDITOR
Márcio Didier

Márcio Didier é jornalista, formado pela Universidade Católica de Pernambuco, com passagens pelo Jornal do Comércio, Blog da Folha e assessoria de comunicação

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